terça-feira, 7 de abril de 2009


Marvin Gaye, que está no céu
A morte violenta do músico pelas mãos de seu pai, há 25 anos, supôs o nascimento de uma das grandes lendas da música
Fernando Navarro 01/04/2009

Nunca ficou muito claro o que levou o reverendo Marvin Gay a alvejar a tiros seu próprio filho na noite de 1 de abril de 1984, um dia antes de este cumprir seus 45 anos. Ele pegou seu revolver e o descarregou matando em sua casa a Marvin Pentz Gay Jr, mais conhecido como Marvin Gaye (ele adicionou o “e” ao seu sobrenome em homenagem a Sam Cooke), um dos grandes soulman e compositores da história da música.

Algumas biografias afirmam que o reverendo não suportava os numerosos e apaixonados casos sexuais do segundo de seus três filhos e, depois de uma forte discussão, atirou. Outros simplesmente chegam à conclusão que aquele homem, um conservador cristão de uma seita chamada Casa de Deus, estava louco. De qualquer forma a religião teve a ver com a atitude de seu pai: seus estritos códigos morais e sua conduta de ferro tinham marcado Marvin para sempre.

Aquele 1 de abril foi como o desenlace de uma tragédia grega: Marvin Gaye, o grande sedutor, o humanismo em forma de música, morria às mãos de seu próprio progenitor, o sacerdote da moral, o defensor religioso. Esses tiros o elevam à categoria de mito, mesmo que em vida tenha conseguido ser admirado como um artista negro em um mercado pensado para brancos. Junto a Diana Ross, Stevie Wonder ou Smokey Robinson, Gaye foi um dos poucos negros que romperam a barreira do preconceito e ganharam o respeito de todos.

Uma de suas referencias mais claras foi Sam Cooke, assim como Nat King Cole. Por isso, nos seus primeiros anos, depois de passar pelo coro da igreja, flertou com o doo-wop cantando pelas esquinas. Seu mentor, no entanto, foi um sujeito que se caracterizava por rasgar a guitarra e pelo seu ritmo frenético, Bo Diddley. Com os Moonglows gravou uma serie de singles para a Chess Records até que Berry Gordy, criador da Motown, se interessou por ele.

Falar de Marvin Gaye é falar de um compositor colossal. Na Motown, por trás dos focos, foi homem de estúdio, artífice de várias canções arrebatadoras, magnífico nos arranjos que se escondem nos créditos de Martha & The Vandellas ou do próprio Stevie Wonder. Sua capacidade vocal não passou despercebida e, depois de inúmeros duetos com cantoras como Mary Wells, encontrou lugar para começar sua carreira.

Em solo, Gaye representa a máxima expressão da música soul, sozinho com suas inquietudes artísticas, ele abre as portas da grande evolução da música negra. Moveu-se livremente pelo R&B, ao qual agregou estilismo, oferecendo sofisticação aparando-o com arranjos de jazz e redefinindo seus parâmetros, abrindo as fronteiras do funk. Foi ainda uma das maiores influencias dos pioneiros do rap.

A morte de Tammi Terrell, com quem cantava a famosa Ain’t No Mountain High Enough, o marcou para sempre. Como um ermitão, refugiou-se em sua casa, embriagou-se de si mesmo e buscou respostas para um mundo que lhe superava. Daí surgiu What’s Going On, um álbum conceitual sobre a vida, o meio ambiente, a guerra do Vietnam e a sobrevivência nos subúrbios. Produtor, cantor e compositor do disco inteiro, Gaye bateu de frente com o chefão da Motown, que sempre impunha seu critério, porque este não queria publicá-lo, e o disco terminou como um grande êxito. Mas acima de tudo foi seu auge artístico, uma obra prima, sempre apontada entre os melhores discos da historia.

Como também poderia estar Let’s Get It On, que mostrou seu magnetismo sexual no microfone e que dizia nos créditos internos que “sexo é só sexo” e que o “amor é amor”. Era a verdade de Gaye, que encontrou nas mulheres uma autêntica válvula de escape – também nas drogas – enquanto sua música expressava seus fantasmas, sua necessidade de contato humano. Desorientado, emigrou para a Europa e voltou para os EUA, para a casa de seus pais, aonde se alojou até o trágico 1 de abril. Esses tiros acabaram com um músico cuja força criativa absorvia ao ouvinte, como só os grandes são capazes de fazê-lo. Inquietudes sociais, políticas e artísticas plasmadas num soul elegante que fluía como um rio. Sua música estava destinada a arrastar quem a escutasse e levar a um mar de humanidade. A todos, menos ao reverendo Marvin, seu pai, que assassinou ao seu filho, e não fez absolutamente nada para ouvi-lo.

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