quarta-feira, 26 de maio de 2010

Nostalgia em mostra individual do artista Federico Guerreros no David Dalmau Studio


Artista reúne 18 telas realizadas em pintura encáustica a partir do uso de fotografias.
Primeira individual no Brasil fica em cartaz de 07 a 26 de junho no David Dalmau Studio, em São Paulo. Abertura na terça, dia 1º de junho, às 19h30

O Studio David Dalmau inaugura no dia 1º de junho, terça-feira, às 19h30 horas, a exposição individual do artista Federico Guerreros intitulada 18 Segundos. Organizada pelo artista brasileiro, nascido no Uruguai, a mostra exibe 18 telas em encáustica realizadas entre 2008 e 2009 em seu ateliê em Barcelona, Espanha. São fragmentos ampliados de fotografias recentes ou antigas recobertos de cera de abelha pigmentada.
Na visita à exposição, o visitante se depara com cenas de estudantes com boina e gravata correndo pela rua, brincadeiras infantis ao ar livre e mesmo cenas de casamentos. Desde a escolha da fotografia que toma por base, sua edição pouco detalhada e posterior pintura, subsiste o traço de nostalgia que dá identidade visual da obra do artista. O instante efêmero aprisionado na foto ou mesmo a busca por reminiscências de idos tempos são preservados por detrás de certa transparência e de uma textura particulares que emprestam ares de eternidade e imanência a cada uma destas obras. São imagens delicadas e ao mesmo tempo fortes o suficiente para suspender o tempo do mundo para um espaço-tempo que transita entre a familiaridade e a memória.

A encáustica é uma técnica de pintura milenar, praticada pelas civilizações mediterrâneas, cujos registros mais remotos remontam à Grécia do século V a.C. Caiu em desuso por séculos, entretanto, seu resgate no século XIX e divulgação têm reabilitado a técnica, que vem ganhando adeptos no mundo todo. No Brasil, um de seus paladinos foi o artista plástico paraense Osmar Pinheiro (1950-2006), que a difundiu por entre uma expressiva geração de pintores, especialmente em São Paulo.


Federico Guerreros

Nascido no Uruguai, porém criado em São Paulo, o artista reside atualmente em Barcelona, Espanha. Sua instrução em artes obedeceu ao ritmo dos artistas de quem foi discípulo, Antonio Peticov e Osmar Pinheiro. Em Barcelona, estudou na escola de arte contemporânea Metáfora.

http://www.federicoguerreros.com/

Período expositivo: de 07 a 26 de junho
Horários: de segunda a sexta, das 10 às 18h; e sábados, das 10 às 17h
Entrada franca

quarta-feira, 19 de maio de 2010

DIO R.I.P

Minha homenagem ao inesquecível Ronnie James DIO, que faleceu no passado 16 de maio de 2010, faço através do site de meu grande amigo Daniel Setti.

http://lavemomaladalista.blogspot.com/2010/05/va-com-dio.html

J.B. Lenoir – Vietnam Blues: The Complete L&R Recording (1995)


Esse disco é, na verdade, a união de dois discos de JB. “Alabama Blues” de 1965 e “Down in Mississippi” de 1966, os dois últimos gravados por JB, ambos produzidos por Willie Dixon e gravados pelo selo alemão L&R com um arranjo acústico que lhe conferem um ar de trovador folk-blues. Suas letras são pura poesia com a qual ele espetava o racismo e outros males sociais com enorme paixão. Algumas das canções têm a participação especial do baterista veterano da Chess Records Fred Below, assim como algum que outro backing vocal de Dixon. Não são poucos os que dizem que se JB tivesse vivido até os setenta, com suas letras diretas e posterior incursão e experimentação com ritmos africanos, provavelmente teria se tornado uma estrela internacional da altura de Bob Marley. Aí eu já não ponho minha mão no fogo, mas sem dúvida ele é o maior poeta esquecido do blues.

01. Alabama Blues
02. Mojo Boogie
03. God's Word
04. The Whale Has Swallowed Me
05. Move This Rope
06. I Feel So Good
07. Alabama March
08. Talk To Your Daughter
09. Mississippi Road
10. Good Advice
11. Vietnam Blues
12. I Want To Go
13. Down in Mississippi
14. Slow Down Woman
15. If I Get Lucky
16. Shot On James Meredith
17. Round And Round
18. Voodoo Music
19. Born Dead
20. Leaving Here
21. Vietnam Blues
22. How Much More
23. Tax Payin' Blues
24. Feelin' Good

http://www.zshare.net/download/92534063a0b953be/

Grandes Nomes do Blues 29 – J.B. Lenoir

Filho de fazendeiros e músicos, J.B. Lenoir nasceu em Monticello, Mississippi, e aprendeu a tocar a guitarra aos oito anos com seu pai e escutando às canções de Blind Lemon Jefferson. No começo da década de 1940 saiu da casa dos pais para tocar com Rice Miller, Sonny Boy Williamson II e Elmore James em New Orleans e, em 1949, mudou-se para Chicago com a ajuda de Big Bill Broonzy, aonde gravou seu primeiro disco para a Chess Records sob o nome de “J.B. and his Bayou Boys”, que contava com o guitarrista Leroy Foster, o baterista Alfred Wallace e o pianista Sunnyland Slim. A propensão para a crítica social foi sua marca registrada, e entre alguns de seus grandes êxitos está a controvertida “Eisenhower Blues”, que teve seu nome alterado para “Tax Paying Blues” por ordem da gravadora. Continuou trabalhando e atuando pela região até que em 1965 percorreu a Europa com o American Folk Blues Festival. A essa altura seu trabalho tinha um forte caráter político relacionado com o racismo e com a guerra do Vietnam. Morreu em 1967 com 38 anos de uma parada cardíaca resultante de um acidente de automóvel. Lenoir será sempre lembrado como grande compositor, cujas letras sem dúvida originaram novos tópicos no estilo, como o fez por exemplo John Mayall nas músicas “I’m Gonna Fight You, J.B.” ou “Death of J.B. Lenoir”. Em 2003, na série de documentários produzida por Martin Scorsese intitulada “The Blues”, Wim Wenders explora a carreira desse grande junto com as de Skip James e Blind Willie Johnson no filme “The Soul of a Man”. E além disso tudo ele ainda tinha um terno de zebra!

Cadillac Records

Esse filme, baseado numa história real, conta a história – narrada por ninguém menos que Willie Dixon – de dois homens. Um branco judeu polonês e um negro agricultor do Mississippi, cujas vidas indissociáveis são parte da historia do blues. Leonard Chess – dono e fundador da histórica Chess Records – e Muddy Waters – pra mim o melhor blueseiro que existiu, mas isso fica pra outro post – se conheceram na Chicago dos anos 40 e juntos criaram uma discográfica que trouxe a música negra para as listas de sucessos e ajudaram muito em romper com a segregação racial ainda forte nos EUA. O filme passa ainda pela história de muitos outros músicos que fizeram parte disso tudo, como o próprio Willie Dixon, Little Walter, Howlin’ Wolf, Etta James, Chuck Berry, e ainda, direta ou indiretamente, Rolling Stones, Beach Boys ou o próprio Elvis Presley.

Como Dixon afirma no começo do filme - “A primeira vez que uma garota tirou a calcinha e a jogou no palco foi por causa de um cara que cantava um blues. Quando garotas brancas começaram a fazer o mesmo, chamaram aquilo de rock and roll”.

Como filme ele mantém a velha e manjada linha de praticamente todas as biopics americanas – a origem humilde de um gênio que não sabe o que tem nas mãos até que um caça-talentos lhe descobre e o faz atuar em antros até converter-se em uma grande estrela; assim começa um período de excessos que acabam em algum vício autodestrutivo que o leva a um breve período de esquecimento que só aquele dom original o tirará da fossa a tempo para alguma homenagem. Essa mesma história pode ser vista em biopics como a de Edith Piaf, Ray Charles, Jim Morrison, Tina Turner ou, mais recentemente, Ian Curtis, e a única mudança aqui é que não se concentra em apenas um artista, mas sim numa gravadora, o que ajuda a contar ao longo do filme uma serie de lendas da música negra. O filme comete ainda uma série de erros históricos – algo também normal no gênero – entre eles nunca citar a participação de Phil Chess, irmão de Leonard, na criação da discográfica. Infelizmente são coisas que devemos aceitar vindas de uma indústria como a de Hollywood, mas ainda assim, vale à pena conferir.

http://www.youtube.com/watch?v=LcBvqJgMsVk

Religulous

Religulous é um documentário dirigido por Larry Charles e protagonizado pelo humorista Bill Maher, que apresenta o programa Real Time with Bill Maher pela HBO. O título do filme vem da fusão das palavras religião (religion) e ridículo (ridiculous) e daí se pode sacar o tom humorístico com o qual o protagonista tenta analisar o porquê da necessidade da maior parte da humanidade em se escorar numa religião, qualquer que seja. Viajando por vários destinos religiosos do mundo como Jerusalém, o Vaticano, e até mesmo um parque de atrações cristão em Miami (?!?!?!), e entrevistando diferentes tipos de crentes, Maher investe contra todos os fanatismos, descrevendo idéias e crenças religiosas evidentemente absurdas, cômicas ou ridículas, que demonstram a falta de uma base sólida e de um fundamento racional. É espetacular o ator tentando defender a tese do “eu não sei” frente a crentes de diferentes tipos (diferentes?) que dizem realmente saber o que não podem provar.

http://www.youtube.com/watch?v=WZbVYK0Ztfs
PRISÃO PERPÉTUA? PIOR: 40 ANOS DE PRISÃO
A Espanha endurece o seu Código Penal em decorrência de sucessos – As penas reais são mais severas do que nos países com condenas vitalícias revisáveis – O debate pendente é o da reinserção
Mónica C. Belaza

“Que seja incluída a palavra prisão perpétua no Código Penal”. “A prisão perpétua teria evitado muitas mortes”. “É necessário um referendo”. “Que se altere a Constituição se for preciso”. Os pais de Marta del Castillo, a jovem assassinada em Sevilha por um ex-namorado, e os de Mari Luz, a menina morta às mãos de um pederasta em março do ano passado, abriram de novo o debate sobre a necessidade de incluir a prisão perpétua na lei. Mais uma vez, levantam-se vozes de protesto pela benevolência do sistema penal espanhol. No entanto, essa benevolência não é tal como se diz. O Código Penal de 1995, suas sucessivas reformas e sua aplicação levaram a Espanha a ter uma das porcentagens mais altas de presos em toda Europa; que os internos cumpram praticamente toda sua pena encarcerados e que tenham, na pratica, uma condena quase perpétua, de 30 ou 40 anos.

Como se sustenta essa polemica? O tratamento pela mídia do brutal assassinato de Marta del Castillo – com a participação de menores em programas fornecendo detalhes do ocorrido e um acompanhamento exagerado do caso – tem provocado intensos e constantes debates em programas sensacionalistas por todo tipo de comentaristas que se alçam como peritos legais e plantam na opinião publica a falsa idéia de que os presos na Espanha praticamente não passam tempo na prisão. E não são somente ditos comentaristas que induzem ao erro. Os políticos também contribuem para isso. O presidente Zapatero recebeu ontem ao pai de Marta del Castillo e lhe garantiu que confia e trabalha para o cumprimento integral das penas, porém salientou que uma pena de 30 anos, já prevista por lei, é “como se fosse uma prisão perpétua”. O presidente do Partido Popular – principal partido de oposição – Mariano Rajoy, num ato eleitoral em Galícia defendeu o endurecimento das penas no caso de crimes contra menores, o cumprimento íntegro das condenas pelos assassinos e a revisão dos benefícios penitenciários, medidas que seu partido apresentará como proposta ao Congresso. Rajoy explicou ainda que essa iniciativa apresenta-se como resposta ao assassinato de Marta del Castillo, da mesma forma como fizeram anteriormente no caso da pequena Mari Luz. Uma vez mais, se aflora o perigo de legislar em razão de acontecimentos.

A pesar de estar em contra a grande parte da opinião publica, o certo é que as leis penais vêm se endurecendo sem pausa desde princípios dos anos noventa, como explica o professor de Direito Penal da Universidade Autônoma de Barcelona José Cid em El incremento de la población reclusa em España entre 1996 y 2006. A Constituição de 1978 obriga que as penas estejam orientadas “à reeducação e reinserção social”, o que é incompatível com mandar alguém à prisão pelo resto de sua vida, porém o Código Penal de 1995 prevê nesses momentos penas mais longas: de 30 anos caso o réu seja castigado por dois ou mais delitos e algum desses tenha prevista uma pena de mais de 20 (como o assassinato) ou de 40 anos se ao menos dois dos delitos cometidos tenham uma pena de mais de 20 anos. Também se pode castigar com 40 anos de prisão em decorrência de dois ou mais delitos de terrorismo.

As penas são longas, mas são cumpridas? Ou os presos são soltos em seguida? As estatísticas contradizem essa crença popular. O número de presos aumentou 43% em apenas 10 anos, entre 1996 e 2006. E esse dado não significa, segundo os estudos do professor de Direito Penal José Cid, que mais pessoas sejam presas, mas sim que passam mais tempo presas. A duração média de permanência entre grades foi quase duplicada desde a entrada em vigor do novo Código Penal. Passou de 9 meses em 1996 a 16 meses em 2004. Motivos: o aumento da duração das penas, a abolição da absolvição de penas por trabalho, o escasso uso que fazem os juízes das penas alternativas e a cada vez mais escassa aplicação de alguns meios importantes de reinserção social como a liberdade condicional.

A liberdade condicional não é fácil de se conseguir hoje em dia. Em 2006 foram concedidas, em proporção ao número de condenados, menos da metade que em 1996. Caiu, em 10 anos, de 26 liberdades condicionais por cada 100 condenados para 11. O Código Penal de 1995 já havia endurecido as condições para sua obtenção, e em 2003 houve uma reforma específica para fazê-la ainda mais difícil. Como explica José Cid, “só uma minoria, algo em torno de um quarto da população carcerária, se beneficia dos principais meios de reinserção estabelecidos na lei penitenciaria enquanto os três quartos restantes finalizam sua pena sem que atravessem uma volta gradual à comunidade”.

Em países do entorno espanhol como França, Reino Unido, Itália, Holanda ou Alemanha, aonde existe a prisão perpétua, esta é na verdade uma pena que pode – e deve – ser revista e que dificilmente dura mais de 30 ou 40 anos. “Teoricamente eles tem prisão perpetua e nós não”, explica o magistrado da Audiência Nacional Ramón Sáez. “Porém o cumprimento efetivo das penas no final é maior na Espanha do que em muitos desses países, porque aqui não há possibilidade de revisão da pena outorgada.”

Na Itália, por exemplo, aos 26 anos o caso é reaberto para que se analise a necessidade de seguir na prisão. Na Alemanha, a pena deve ser revisada aos 15 anos, momento a partir de onde se pode conceder a liberdade condicional – a media de cumprimento desse tipo de pena era de 19 anos em 1998. Na França também existem varias possibilidades de análise da situação do réu após os primeiros 15 anos, e Reino Unido e Holanda também possuem meios de revisão que, na prática, tornam extremamente raro que uma pessoa fique presa pelo resto dos seus dias.

Na Espanha dos tempos modernos nunca houve a prisão perpétua. O que sim existia, durante o franquismo, era penas muito longas, de até 40 anos. “Eram tão cruéis que eram impossíveis de cumprir”, explica Joan Queralt, catedrático de Direito Penal pela Universidade de Barcelona. “Depois da Guerra Civil este era um pais empobrecido, sem dinheiro para prisões e com mais de 150.000 presos. Por isso foram criadas coisas como a absolvição de penas pelo trabalho, para aliviar o sistema. No final, pela necessidade de flexibilização, as pessoas cumpriam a metade do tempo. O Código de 1995 veio por um limite nisso e na arbitrariedade. O Estado democrático outorga a pena que considera justa y faz com que essa seja cumprida”.

Durante o período constituinte foi excluída a pena de morte e também, devido à necessária reinserção das penas, a prisão perpétua. O Direito Penal deixava de ser um modelo de vingança para recuperar o delinqüente. Foram excluídas as medidas definitivas e absolutas, e os primeiros rascunhos do Código previam limites de 15 ou 20 anos nas penas de prisão. No entanto, ao largo dos anos, e muitas vezes para contentar uma sociedade consternada pelo terrorismo ou por assassinatos e estupros selvagens, as penas foram endurecendo-se até chegar aos atuais 40 anos.

“Já é discutível que o quadro de penas atual seja constitucional”, opina Octavio García, professor de Direito Penal da Universidade de Málaga. “Na Espanha não existe um grande problema de insegurança. Não é um problema real. No entanto, deixamos permanentemente aberto um debate que termina sempre com o pedido de punições mais severas porque as vítimas se julgam no direito de decidir como devem ser resolvidos os conflitos”. “Os pais que sofrem essas tragédias devem receber tudo o que peçam, mas não podem converter-se em porta-vozes da opinião pública”, concorda o magistrado Sáez. “Não tem sentido que os políticos se prestem a isso ou que legislem assim. O que deve ser feito é pedagogia.”

Diante de certos constitucionalistas e criminalistas que afirmam que uma prisão perpétua revisável a cada certo período encaixa perfeitamente na Constituição, pois permitiria verificar a reinserção do delinqüente e cumprir assim com o artigo 25 da Carta Magna, o professor García assinala que “a prisão perpétua não é eficaz e atenta contra a dignidade humana”. “O Estado castiga as pessoas que cometem atos inumanos com castigos inumanos. O debate que deveria ser aberto é outro: averiguar e examinar as causas da delinqüência”, conclui.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Crítica VS. Análise: Os limites da interpretação

Francisco Javier Gómez Tarín
Professor de Narrativa audiovisual e de Análise de textos audiovisuais na Universidade Jaume I de Castellón

Frente ao ocaso da sociedade na qual vivemos, que leva anos tentando acomodar-nos com o mínimo denominador (questão essa que, ao que parece, não provoca grandes protestos), faz-se necessário aprofundar o debate levado aqui nos últimos meses. Em conseqüência, a reflexão que segue não está relacionada com a qualidade dos textos anteriores – díspares, mas sempre enriquecedores – porém com a ausência de uma contextualização imprescindível: a que nos referimos quando falamos de crítica (cinematográfica, nesse caso)? Porque, se utilizamos um ponto de referência díspar, dificilmente poderemos avançar nos aspectos mais polêmicos aos que nos devemos enfrentar.

Assumimos que a crítica cinematográfica é algo que identificamos sem maiores problemas quando nos encontramos com um texto publicado numa revista (diária, semanal ou mensal) que nos fala de um filme desde uma perspectiva que tenta abordar seu sentido e/ou vicissitudes ao seu redor que possam dar lugar a outro tipo de reflexões, talvez mais profundas. No entanto, se isso fosse tão simples, não estaria provocando uma confusão semântica entre crítica e notas, comentários, análise... O jornalista aspiraria ser classificado como crítico, enquanto este aspiraria ser classificado como analista...

Entre as décadas de cinqüenta e oitenta do século passado, a crítica contribuiu de forma relevante à construção da teoria fílmica, talvez com maior penetração nas instituições docentes, que chegaram historicamente tarde aos estudos sobre o cinema. Tal crítica não se limitou a comentar um filme e abordou, com maior ou menor eficácia e qualidade, o conjunto do ato fílmico. Em essência, exerceu um trabalho crítico e cumpriu as três funções já expostas nessas mesmas páginas a partir do reconhecido texto de George Steiner.

Hoje em dia custa muito trabalho identificar esse tipo de crítica no caótico mercado das publicações periódicas, pois aqueles eram textos que tentavam abordar em profundidade as matérias com as quais se enfrentavam (pensemos na análise de O jovem Lincoln no número 223 de Cahiers Du Cinema, em janeiro de 1970). Não foi por acaso que grifei em cursiva o conceito de trabalho crítico no parágrafo anterior, já que era exatamente isso: uma reflexão a partir de um texto audiovisual, o encontro de elementos que constituam nele um significado e inclusive a elaboração ou consolidação de teorias.

O que atualmente está em uso – e abuso – é uma sistemática elaboração de argumentos mais ou menos brilhantes a partir de um ponto de vista preestabelecido ao que toda obra audiovisual é impelida e redesenhada para fazê-la dizer aquilo que não diz de maneira alguma (ou, no melhor dos casos, ligeiramente o comenta). Com isso perdem-se todas as funções que tal crítica poderia cumprir, e, conseqüentemente, sua capacidade pedagógica. Se assumirmos que é com esse tipo de crítica que nos encontramos cada vez mais, devemos girar a favor da análise e separá-la daquilo que a “crítica” está fazendo (nem deveria dizer que uma boa crítica é o resultado de uma boa análise).

Assim, a crítica ao uso é a conseqüência de uma visão fugaz de um filme e responde ao impacto emocional que toda obra produz. Isso, como é lógico, não tem nada a ver com o que entendemos por análise, que obedece a processos muitos mais objetivos. A intervenção da subjetividade, a partir de um horizonte de expectativas que o espectador constrói em seu deleite (e o crítico é também um espectador em todos os efeitos) ocupa o primeiro plano e é, portanto, critério qualitativo, fazendo com que a escrita se deixe levar pelos efeitos do “parecer” em lugar do “ser”. Sabendo que não existe objetividade, e minhas intenções estão longe de pretender tal incongruência, não é menos certo, como dizia Santos Zunzunegui alguns meses atrás, que “toda obra de arte leva inscrita em sua materialidade um significado que não é em absoluto inocente”. Revelar esse significado, a partir dos significantes, é o trabalho do crítico que pretende analisar, ou do analista que elabora reflexões críticas.

Se nos colocamos do lado da visão imediata e da falta de profundidade, o que menos se pode exigir do auto-qualificado crítico é que nos revele de onde manifesta e constrói seus argumentos, visto que os interesses e preconceitos são as guias que arrastam suas palavras e, de alguma maneira, diz o que já estava elaborado em sua mente: o filme converte-se assim numa autorização que se utiliza a gosto próprio.

Resumidamente: o que diz um filme, em qualquer nível, está inscrito no mesmo e nossa missão é decifrá-lo, sem deixar-nos levar por um ponto de vista preestabelecido - ainda que o nível de subjetividade (desejável, sempre) revela-se no cruzamento do que interpretamos e da nossa própria bagagem cultural, na medida em que cada um aporta sua própria visão do mundo ao exercício hermenêutico. Como indica Jacques Aumont, o analista “nunca se deve realizar uma análise aplicando cegamente uma teoria previamente estabelecida, nem criar sentidos não extraídos diretamente do texto, nem privilegiar o sujeito e vislumbrar o autor como origem exclusiva do significado; para evitar o excesso é necessário o controle baseado no estabelecimento – como limite – de uma congruência”.

Vale como paradigma um fragmento evidente em si mesmo como resumo do significado do filme: refiro-me ao plano seqüencia de Gangs of New York (Martin Scorsese, 2002) no qual a câmera abandona os personagens para mover-se sobre a chegada de irlandeses que são alistados e incorporados a um barco do qual sacam cadáveres em ataúdes; uma canção, explícita, coloca letra ao que não podemos de forma alguma deixar de pensar como espectadores. Essa evidência em quanto à interpretação (daí a escolha, para não deixar duvidas a respeito), se sustenta radicalmente no significante: só um plano seqüencia permite construir um discurso que resume em si mesmo a intenção do filme de manifestar a construção de uma sociedade baseada na violência, no sangue e, em ultima instância, na morte. Mas esse plano seqüência – que faz a conexão entre os vivos e os mortos na grua sobre o barco, subindo e descendo – deve somar-se ao mecanismo enunciativo que marca diretamente a ruptura da narração onisciente pelo inicio da panorâmica abandonando explicitamente os personagens do filme. Esse mecanismo discursivo mostra ao espectador a importância dessa cena e indica, sem dúvida, que é o ente enunciativo quem toma diretamente o relato em suas mãos, rompendo assim a transparência e propiciando uma participação crítica.

Em essência, o significado está aí e o trabalho do crítico é interpretá-lo (análise do significante = trabalho investigativo), explicá-lo (descrição de como se produziu o sentido = trabalho pedagógico) e comentá-lo (argumentação e reflexão = trabalho teórico). Devo dizer, para concluir, que apenas uma visão de qualquer material audiovisual é insuficiente para entender os significados a extrair do significante com uns critérios mínimos de qualidade, por isso o texto foi titulado “crítica VS análise”.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Etta James – Mistery Lady – The Songs of Billie Holiday (1994)


Com esse disco Etta James ganhou seu inexplicavelmente tardio primeiro Grammy, rendendo um tributo a outra das maiores cantoras da história. Já foram feitos inúmeros tributos a Billie Holiday desde sua prematura morte em 1959, mas pouquíssimos conseguem equiparar sua maestria vocal e sensibilidade emotiva como esse.

01. Don’t Explain
02. You’ve Changed
03. The Man I Love
04. I Don’t Stand a Ghost of a Chance With You
05. Lover Man
06. Embraceable You
07. How Deep is the Ocean
08. (I’m Afraid) The Masquerade is Over
09. Body And Soul
10. The Very Thought of You
11. I’ll Be Seeing You

http://www.zshare.net/download/925338519b30dd4c/

Etta James – Blue Gardenia (2001)


Acompanhada pelo excelente pianista Cedar Walton, Ronnie Buttacavoli e George Bohannon nos trompetes, Josh Sklair na guitarra, Red Holloway no sax tenor, Tony Dumas no baixo, Ralph Pendland na bateria e Ron Powell na percussão, James interpreta clássicos do jazz empapados com sua forte sensibilidade blues, como se fosse a última apresentação de algum pequeno bar obscuro de jazz. Mesmo que sua voz não seja a mesma de anos atrás, a idade não conseguiu roubar-lhe o sentimento que só ela consegue transmitir, capaz de cantar a lista telefônica e fazê-la soar rica, cheia de sentimento e significado. E na última música, a que dá nome ao disco, convida sua mãe, Dorothy Leatherwood, para cantar.

01. This Bitter Earth
02. He’s Funny That Way
03. In My Solitude
04. There is no Greater Love
05. Don’t Let The Sun Catch You Crying
06. Love Letters
07. These Foolish Things
08. Come Rain or Come Shine
09. Don’t Worry ‘Bout Me
10. Cry Me a River
11. Don’t Blame Me
12. My Man
13. Blue Gardenia

http://www.zshare.net/download/92533767479ed3e1/

Etta James – At Last (1960)


Esse é o primeiro longplay de Etta James, gravado pela Argo, filial da Chess Records, e consegue cobrir todas as facetas de seu enorme talento, desde baladas, blues, rock e soul. Provavelmente seu melhor disco de estúdio, e aqui podemos ver porque James era a diva mais quente dos anos sessenta. E a faixa título é foda.

01. Anything to Say Your’re Mine
02. My Dearest Darling
03. Trust in Me
04. A Sunday Kind of Love
05. Tough Mary
06. I Just Want to Make Love to You
07. At Last
08. All I Could Do is Cry
09. Stormy Weather
10. Girl of My Dreams (Boy of My Dreams)
11. My Heart Cries
12. Spoonful
13. It’s a Cryin’ Shame
14. If I Can’t Have You

http://www.zshare.net/download/92533611f0f4b8d8/

Etta James – Etta James Rocks The House (1964)


Muita gente diz que esse disco disputa com “Live At The Regal”, de B.B.King, o posto de melhor disco de blues ao vivo da história. Aqui podemos apreciar a potencia de Etta James em direto e na sua melhor época, com 25 anos e uma voz tão forte e sensual que me é difícil pensar em outra mulher para cantar esses temas e deixar o público em êxtase como se pode sentir nesse disco.

01. Something’s Got a Hold on Me
02. Baby, What You Want Me To Do
03. What’d I Say
04. Money (That’s What I Want)
05. Seven Day Fool
06. Sweet Little Angel
07. Ooh Poo Pah Doo
08. Woke Up This Morning
09. Ain’t That Lovin’ You Baby
10. All I Could Do Was Cry
11. I Just Want to Make Love to You

http://www.zshare.net/download/9253344564ab5cd0/

Grandes Nomes do Blues 28 – Etta James


Jamesetta Hawkins foi uma criança prodígio cantando gospel com somente cinco anos no coro da igreja batista de Los Angeles, California, sua cidade natal. Mudou-se para San Francisco em 1950 e montou um trio vocal – The Peaches – com outras duas amigas, até que aos 14 anos Johnny Otis a descobriu. Só precisou da primeira sessão com o selo Modern aos 16 anos para conseguir seu primeiro número um nas listas de R&B com “The Wallflower (Roll With Me Henry)”, acompanhada pela banda de Otis e do vocalista Richard Berry. Durante os anos cinqüenta deixou suas companheiras do The Peaches e apresentou seu rock’n’roll em numerosas turnês até que a Chess Records, em 1960, lhe voltaria a contratar jogando outra bomba no mercado: “At Last” – música que Barack Obama escolheu para seu primeiro baile como presidente, cantada por Beyoncé, que a interpreta no filme “Cadillac Records” de 2008. Ao longo dos anos foi deslizando suave por inúmeros estilos em cada disco, desde o blues e do rock’n’roll ao soul e jazz. A perfeição artística de Etta James conseguiu produzir um blues e um rock mais lentos, inesquecíveis baladas que acabaram outorgando-lhe o Grammy de melhor blues de 2005.

domingo, 2 de maio de 2010

Lightnin’ Hopkins – Lightnin’ Strikes (1962)


Outro disco pertencente ao “blues revival” dos anos sessenta, esse disco é também um dos últimos grandes registros do country blues, ainda que, na tentativa das gravadoras de atingir ao público de R&B e rock, tenha um par de músicas amplificadas com instrumentos elétricos.

01. Got Me A Louisiana Woman
02. Want To Come Home
03. Please Don’t Quit Me
04. Devil Is Watching You
05. Rolling And Rolling
06. War Is Starting Again
07. Walkin’ Round In Circles
08. Mary Lou
09. Heavy Snow
10. Coon Is Hard To Catch
11. Introduction, Big Car Blues
12. Coffee House Blues
13. Stool Pigeon Blues
14. Ball Of Twine

http://www.zshare.net/download/925331620bb098be/

Lightnin’ Hopkins – Country Blues (1960)


Fazendo um contraponto ao já famoso Chicago Blues, Hopkins nos apresenta esse cd que já no próprio nome pretende marcar distancias do primeiro. Um de seus primeiros discos pela Tradition Records, ele é sujo, baixo, direto e honesto, como quando Hopkins começou sua carreira tocando nas esquinas de Houston por bebida ou algum trocado – ainda que essa versão remasterizada já não se escute tão “suja” como a original. Um homem e sua guitarra, o essencial.

01. Long Time
02. Rainy Day Blues
03. Baby!
04. Long Gone Like a Turkey Through The Corn
05. Prison Blues Come Down On Me
06. Backwater Blues
07. Gonna Pull a Party
08. Bluebird, Bluebird
09. See See Rider
10. Worrying My Mind
11. Till The Gin Gets Here
12. Bunion Stew
13. You Got to Work to Get Your Pay
14. Go Down Old Hannah
15. Hear My Black Dog Bark

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Grandes Nomes do Blues 27 – Lightnin’ Hopkins


Sam Hopkins nasceu em Centerville, Texas, no seio de uma família de músicos – tanto seu pai como dois de seus irmãos o eram – coisa que lhe deu extrema facilidade em aprender a tocar, ao ponto que aos oito anos já o fazia com Blind Lemon Jefferson. Nos anos trinta percorreu o Texas com seu primo Texas Alexander e, em 1946, Lola Cullum o descobriu e lhe abriu as portas do selo Aladdin Records. O apelido “Lightnin’” veio após uma sessão na qual Thunder Smith o acompanhava ao piano. Entre 1948 e 1954 gravou centenas de músicas por diversas gravadoras, e estima-se que ao longo de sua carreira tenha gravado entre oitocentas e mil.
Depois de uma ausência de vários anos, Hopkins foi “redescoberto” nos anos sessenta, e desde então não parou mais de gravar, fazer turnês e até cinema e televisão. Apesar de ter vivido sempre em cidades, Hopkins destacou-se por seu peculiar Country blues, sua habilidade em criar músicas do nada e seu extraordinário sentido de estrutura e tempo musical.