sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Gran Torino, 2008 - Clint Eastwood



Para mim o melhor filme de 2008. Assim começo minha primeira critica nesse blog, e assim ela deve começar, sem dúvidas. Gran Torino, último e espetacular filme de Clint Eastwood, recebe esse título pelas razoes que exponho a seguir, e certamente outras mais.

Se é certo que a obra de Clint (para os íntimos) em grande parte consiste em “explorar o coração da histórica americana” através de “íntimas explorações nas rugas do tempo e do inconsciente”, como disse Thierry Jousse (em “Memoria Cahiers”, pag.62), Gran Torino chega a ser uma radiografia do choque metafórico entre a América profunda, racista, branca, homofóbica e xenófoba de sempre, e a America de Obama, um país multirracial aprendendo a conviver com as novas gerações.

O personagem principal, Walt Kowalski, interpretado pelo próprio Clint – e nisso já vemos um toque genial, a dicotomia entre diretor/personagem com atitudes opostas – está formado moralmente nessa América retrógrada. Um velho e ranzinza veterano da guerra da Coréia, ex-mecânico da Ford (cujos filhos vendem carros japoneses), vivendo num subúrbio de Detroit agora dominado por asiáticos, hispânicos e negros e que depois do falecimento de sua mulher se fecha em si mesmo tentando sobreviver à margem de tudo que o rodeia. Podemos ver nesse personagem a visceral aversão aos delinqüentes de Harry Callahan (Dirty Harry,1971), a necessidade de fazer justiça com as próprias mãos de William Munny (Unforgiven, 1992) e até mesmo o isolacionismo de um Frankie Dunn (Million Dollar Baby, 2004) que encontra numa jovem desconhecida uma razão para voltar. Walt Kowalski é cada um desses personagens, o ocaso de um arquétipo que não tem mais lugar na nova América, um fantasma, um cowboy, o herói trágico preso na escuridão da violência, da guerra e da culpa. E se dá conta disso, de sua solidão e de sua derrota, assumindo até as ultimas conseqüências o exorcismo definitivo da culpa que o corrói por dentro.

Clint vem desenvolvendo de forma magistral ao longo de seus filmes o ato de filmar, o movimento de câmera, o enquadramento, a posta em cena. Em Gran Torino pode-se ver essa genialidade no jogo de luzes, no claro/escuro que remete o personagem à solidão das sombras, no planos zenitais que o diminuem e isolam. Na trilha sonora e no tema principal, composto por ele mesmo. A cena final é como a entrega do seu legado a essa nova geração americana, um sopro de esperança que aposta por um futuro regenerador no meio da solidão e do fracasso.

Mesmo sabendo que entre seus principais admiradores estavam hispânicos de classe baixa, presos e até Panteras Negras – exatamente o protótipo de gente contra quem ele lutava, e talvez por isso mesmo – Harry Callahan não poderia deixar-nos sem antes enfrentar seus demônios. É a despedida do justiceiro que incorporou tão bem essa América que decide aplicar a lei com as próprias mãos, num exercício de revisionismo digno de um gênio, e que já vem se dando ao longo de sua carreira. Em Unforgiven (1992), In the Line of Fire (1993) e A Perfect Word (1993), os personagens principais também haviam cometido erros no passado. Nessa ultima obra-prima vemos o exorcismo de todos esses “heróis” frente a um mundo ao que já não pertencem.

“Go ahead, make my Day, punk!”. A famosa frase poderia perfeitamente ter sido usada no momento do ajuste de contas de Gran Torino, porém com um sentido absolutamente oposto. Se você quer cinema de verdade, não perca.

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