quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL EL PAIS
PRISÃO PERPÉTUA? PIOR: 40 ANOS DE PRISÃO
A Espanha endurece o seu Código Penal em decorrência de sucessos – As penas reais são mais severas do que nos países com condenas vitalícias revisáveis – O debate pendente é o da reinserção
Mónica C. Belaza 25/02/2009

“Que seja incluída a palavra prisão perpétua no Código Penal”. “A prisão perpétua teria evitado muitas mortes”. “É necessário um referendo”. “Que se altere a Constituição se for preciso”. Os pais de Marta del Castillo, a jovem assassinada em Sevilha por um ex-namorado, e os de Mari Luz, a menina morta às mãos de um pederasta em março do ano passado, abriram de novo o debate sobre a necessidade de incluir a prisão perpétua na lei. Mais uma vez, levantam-se vozes de protesto pela benevolência do sistema penal espanhol. No entanto, essa benevolência não é tal como se diz. O Código Penal de 1995, suas sucessivas reformas e sua aplicação levaram a Espanha a ter uma das porcentagens mais altas de presos em toda Europa; que os internos cumpram praticamente toda sua pena encarcerados e que tenham, na pratica, uma condena quase perpétua, de 30 ou 40 anos.

Como se sustenta essa polemica? O tratamento pela mídia do brutal assassinato de Marta del Castillo – com a participação de menores em programas fornecendo detalhes do ocorrido e um acompanhamento exagerado do caso – tem provocado intensos e constantes debates em programas sensacionalistas por todo tipo de comentaristas que se alçam como peritos legais e plantam na opinião publica a falsa idéia de que os presos na Espanha praticamente não passam tempo na prisão. E não são somente ditos comentaristas que induzem ao erro. Os políticos também contribuem para isso. O presidente Zapatero recebeu ontem ao pai de Marta del Castillo e lhe garantiu que confia e trabalha para o cumprimento integral das penas, porém salientou que uma pena de 30 anos, já prevista por lei, é “como se fosse uma prisão perpétua”. O presidente do Partido Popular – principal partido de oposição – Mariano Rajoy, num ato eleitoral em Galícia defendeu o endurecimento das penas no caso de crimes contra menores, o cumprimento íntegro das condenas pelos assassinos e a revisão dos benefícios penitenciários, medidas que seu partido apresentará como proposta ao Congresso. Rajoy explicou ainda que essa iniciativa apresenta-se como resposta ao assassinato de Marta del Castillo, da mesma forma como fizeram anteriormente no caso da pequena Mari Luz. Uma vez mais, se aflora o perigo de legislar em razão de acontecimentos.

A pesar de estar em contra a grande parte da opinião publica, o certo é que as leis penais vêm se endurecendo sem pausa desde princípios dos anos noventa, como explica o professor de Direito Penal da Universidade Autônoma de Barcelona José Cid em El incremento de la población reclusa em España entre 1996 y 2006. A Constituição de 1978 obriga que as penas estejam orientadas “à reeducação e reinserção social”, o que é incompatível com mandar alguém à prisão pelo resto de sua vida, porém o Código Penal de 1995 prevê nesses momentos penas mais longas: de 30 anos caso o réu seja castigado por dois ou mais delitos e algum desses tenha prevista uma pena de mais de 20 (como o assassinato) ou de 40 anos se ao menos dois dos delitos cometidos tenham uma pena de mais de 20 anos. Também se pode castigar com 40 anos de prisão em decorrência de dois ou mais delitos de terrorismo.

As penas são longas, mas são cumpridas? Ou os presos são soltos em seguida? As estatísticas contradizem essa crença popular. O número de presos aumentou 43% em apenas 10 anos, entre 1996 e 2006. E esse dado não significa, segundo os estudos do professor de Direito Penal José Cid, que mais pessoas sejam presas, mas sim que passam mais tempo presas. A duração média de permanência entre grades foi quase duplicada desde a entrada em vigor do novo Código Penal. Passou de 9 meses em 1996 a 16 meses em 2004. Motivos: o aumento da duração das penas, a abolição da absolvição de penas por trabalho, o escasso uso que fazem os juízes das penas alternativas e a cada vez mais escassa aplicação de alguns meios importantes de reinserção social como a liberdade condicional.

A liberdade condicional não é fácil de se conseguir hoje em dia. Em 2006 foram concedidas, em proporção ao número de condenados, menos da metade que em 1996. Caiu, em 10 anos, de 26 liberdades condicionais por cada 100 condenados para 11. O Código Penal de 1995 já havia endurecido as condições para sua obtenção, e em 2003 houve uma reforma específica para fazê-la ainda mais difícil. Como explica José Cid, “só uma minoria, algo em torno de um quarto da população carcerária, se beneficia dos principais meios de reinserção estabelecidos na lei penitenciaria enquanto os três quartos restantes finalizam sua pena sem que atravessem uma volta gradual à comunidade”.

Em países do entorno espanhol como França, Reino Unido, Itália, Holanda ou Alemanha, aonde existe a prisão perpétua, esta é na verdade uma pena que pode – e deve – ser revista e que dificilmente dura mais de 30 ou 40 anos. “Teoricamente eles tem prisão perpetua e nós não”, explica o magistrado da Audiência Nacional Ramón Sáez. “Porém o cumprimento efetivo das penas no final é maior na Espanha do que em muitos desses países, porque aqui não há possibilidade de revisão da pena outorgada.”

Na Itália, por exemplo, aos 26 anos o caso é reaberto para que se analise a necessidade de seguir na prisão. Na Alemanha, a pena deve ser revisada aos 15 anos, momento a partir de onde se pode conceder a liberdade condicional – a media de cumprimento desse tipo de pena era de 19 anos em 1998. Na França também existem varias possibilidades de análise da situação do réu após os primeiros 15 anos, e Reino Unido e Holanda também possuem meios de revisão que, na prática, tornam extremamente raro que uma pessoa fique presa pelo resto dos seus dias.

Na Espanha dos tempos modernos nunca houve a prisão perpétua. O que sim existia, durante o franquismo, era penas muito longas, de até 40 anos. “Eram tão cruéis que eram impossíveis de cumprir”, explica Joan Queralt, catedrático de Direito Penal pela Universidade de Barcelona. “Depois da Guerra Civil este era um pais empobrecido, sem dinheiro para prisões e com mais de 150.000 presos. Por isso foram criadas coisas como a absolvição de penas pelo trabalho, para aliviar o sistema. No final, pela necessidade de flexibilização, as pessoas cumpriam a metade do tempo. O Código de 1995 veio por um limite nisso e na arbitrariedade. O Estado democrático outorga a pena que considera justa y faz com que essa seja cumprida”.

Durante o período constituinte foi excluída a pena de morte e também, devido à necessária reinserção das penas, a prisão perpétua. O Direito Penal deixava de ser um modelo de vingança para recuperar o delinqüente. Foram excluídas as medidas definitivas e absolutas, e os primeiros rascunhos do Código previam limites de 15 ou 20 anos nas penas de prisão. No entanto, ao largo dos anos, e muitas vezes para contentar uma sociedade consternada pelo terrorismo ou por assassinatos e estupros selvagens, as penas foram endurecendo-se até chegar aos atuais 40 anos.

“Já é discutível que o quadro de penas atual seja constitucional”, opina Octavio García, professor de Direito Penal da Universidade de Málaga. “Na Espanha não existe um grande problema de insegurança. Não é um problema real. No entanto, deixamos permanentemente aberto um debate que termina sempre com o pedido de punições mais severas porque as vítimas se julgam no direito de decidir como devem ser resolvidos os conflitos”. “Os pais que sofrem essas tragédias devem receber tudo o que peçam, mas não podem converter-se em porta-vozes da opinião pública”, concorda o magistrado Sáez. “Não tem sentido que os políticos se prestem a isso ou que legislem assim. O que deve ser feito é pedagogia.”

Diante de certos constitucionalistas e criminalistas que afirmam que uma prisão perpétua revisável a cada certo período encaixa perfeitamente na Constituição, pois permitiria verificar a reinserção do delinqüente e cumprir assim com o artigo 25 da Carta Magna, o professor García assinala que “a prisão perpétua não é eficaz e atenta contra a dignidade humana”. “O Estado castiga as pessoas que cometem atos inumanos com castigos inumanos. O debate que deveria ser aberto é outro: averiguar e examinar as causas da delinqüência”, conclui.

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