sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Crise

Pobreza, emprego e gasto público
Christos Papatheodorou

A recente crise econômica mundial tem efeitos evidentes sobre a pobreza e a deterioração do nível de vida dos grupos de população mais vulneráveis. No entanto, em lugar de questionar o paradigma dominante no que se refere à organização e administração da economia, a crise levou a um fortalecimento dos argumentos neoliberais a favor da disciplina fiscal, da redução do gasto público e da desregulamentação do mercado de trabalho. Uma das principais consequências é a forte pressão para aumentar o recorte de gastos sociais e a liberalização dos sistemas de protecção civil. No caso da Grécia, aonde as consequências da crise são mais graves, é um fato revelador. Com a intenção de aplicar medidas de austeridade, se cultivam e reproduzem certos mitos, até o ponto de chegar a dominar o debate público e político.

Entre os mitos mais generalizados que os meios de comunicação adoram publicar está o que afirma que os gregos não trabalham muito (em comparação com outros europeus) e que disfrutam de um nível de vida elevado. Na verdade os dados de Eurostat contradizem essas afirmações e mostram que os gregos trabalham mais horas por semana que o resto dos europeus e que a Grécia tem o maior índice de pobreza (20%) da UE-15 e um dos maiores da UE-27. Deve-se observar, ainda, que esses são dados de 2009, referentes aos ingressos de 2008. Ou seja, antes da crise econômica. Desde a década de 1990, quando se dispõe de dados comparativos dos países da UE, a pobreza sempre foi mais elevada na Grécia que a média comunitária. Estes dados estão baseados nas linhas de pobreza definidas de modo nacional (adotando a definição utilizada de modo geral do 60% do ingresso equivalente médio). No entanto, a comparação com uma linha de pobreza comum a todos os países da UE permite mostrar as verdadeiras dimensões das diferenças entre o nível de vida dos gregos e do resto dos europeus. Cálculos comparativos dos índices de pobreza na UE, baseados na linha de pobreza grega e levando em conta as diferenças de poder aquisitivo entre países, mostram que na maioria dos países da UE-15 (com a exceção de Portugal, Itália e Espanha) menos de 6% da população tem níveis de vida tão baixos como os 20% dos gregos mais pobres.

Outro dos mitos que dominam o debate atual associa a pobreza com o desemprego. Esse ideia fomenta a ideia neoliberal de uma desregulamentação do mercado de trabalho e do aumento de contratos de trabalho flexíveis e temporais ou a tempo parcial. Não há dúvida que o desemprego está associado a um risco enorme de pobreza. Ainda assim, nossos cálculos, baseados nos microdados da Eurostat, revelaram que diversos grupos ocupacionais, como agricultores e empregados com contratos temporais ou a tempo parcial, enfrentem um risco elevado de pobreza similar. O emprego não assegura que uma pessoa saia da pobreza. Se nos centramos na contribuição à pobreza geral, os dados também demonstram que na Grécia (como na maior parte da UE) uma proporção muito grande dos pobres vive em lares aonde o chefe de família está trabalhando, e não desempregado. Na Grécia, três de cada cinco pobres vivem em lares aonde o chefe de família está empregado. Os provas estatísticas apontam que os contratos de trabalho temporais ou a tempo parcial aumentam o risco de pobreza da população trabalhadora. Um flexibilização maior no mercado de trabalho tem uma consequência desfavorável na pobreza  da população ativa. Talvez reduza o desemprego, mas ao mesmo tempo aumenta a pobreza dos trabalhadores ao dividir pela metade (e às vezes mais) empregos remunerados ligeiramente acima da linha de pobreza.

O discurso dominante também vitimiza a protecção social e o gasto correspondente como principais colaboradores da atual crise. Essa atitude fomenta a hostilidade contra as políticas sociais, consideradas parte do problema e não da solução, como demonstrou a experiencia da crise de 1929. Os gastos sociais gregos, medidos como porcentagem do PIB, são inferiores aos correspondentes porcentagens médios do total da UE. O sistema de protecção social do país é particularmente débil em reduzir a pobreza e a desigualdade. As transferências sociais (sem levar em conta as pensões) são com diferença a influência distributiva mais fraca de todos os países da UE. O programa de austeridade erosionou os direitos assistenciais e debilitou ainda mais o já fraco sistema de protecção social grego. Entre outras medidas, foram reduzidas de maneira importante as pensões (atuais e futuras), as prestações da assistência social e realizaram-se enormes recortes nos serviços sociais. A nova pensão mínima de 360 euros mensais (financiada com os impostos gerais) está muito abaixo da linha de pobreza de um lar unipessoal. E esses 360 euros podem ser reduzidos ainda mais se a situação econômica piora. O seguro desemprego também está por baixo da linha de pobreza do país. As medidas de austeridade e estabilização aumentarão a pobreza e a dispersão e reduzirão ainda mais os ingressos dos setores da população com uma maior proporção no consumo (as camadas medias e baixas), o que afetará profundamente a demanda social e o crescimento.

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