quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Steve Jobs
As coisas que todo mundo é muito educado para escrever sobre Steve Jobs
Por Ryan Tate
Nos dias após a morte de Steve Jobs, como é o costume, os seus amigos e colegas compartilharam suas melhores lembranças do co-fundador da Apple. Ele foi aclamado como “gênio” e “o maior CEO da geração”, por especialistas e jornalistas de tecnologia. Mas a reputação de um grande homem deve ser capaz de resistir à verdade completa. E, verdade seja dita, Jobs conseguia ser terrível com as pessoas, e o seu impacto no mundo não foi uniformemente positivo.
Nós já mencionamos muitas das coisas boas que Jobs fez durante a sua carreira. Suas conquistas foram amplas e impossíveis de resumir com facilidade. Mas pode-se enxergar o escopo do seu sucesso dessa forma: causar mudanças na sua indústria é o sonho de qualquer empreendedor, e Jobs transformou para sempre meia dúzia de indústrias diferentes, de computação pessoal atelefonia, passando por música, animação, videogames e pela indústria editorial. Ele era um sábio, um grande motivador, um juiz decisivo, um influenciador com visão de longo prazo, um excelente mestre de cerimônias e um estrategista brilhante.
Mas eis o que ele não era: perfeito. De fato, Steve fez coisas profundamente perturbadoras na Apple. Coisas rudes, desdenhosas, hostis, rancorosas: os empregados da Apple — aqueles que não estavam presos por contratos de confidencialidade — tinham uma história diferente para contar durante todos esses anos sobre Jobs e todo o medo, manipulação de bullying que o acompanhavam pela empresa. Jobs também contribuiu para problemas de nível global. O sucesso da Apple foi literalmente construído nas costas de trabalhadores chineses, incluindo crianças, todos eles aguentando turnos longos e a sombra de punições brutais por erros. E apesar de todo o papo sobre incentivar a expressão individual, Jobs impôs regras paranoicas que centralizaram o controle sobre quem poderia dizer o que em seus aparelhos e em sua empresa.
É particularmente importante sublinhar os defeitos de Jobs neste momento. O seu sucessor, Tim Cook, tem a oportunidade de mapear um novo caminho para a empresa, de estabelecer o seu estilo próprio de liderança. E, graças ao sucesso da Apple, os estudantes do estilo Steve Jobs de liderança nunca foram tão numerosos no Vale do Silício. Ele foi idolatrado e emulado muitas vezes enquanto vivo; em sua morte, Jobs se tornará um ícone ainda maior.
Depois de celebrar as conquistas dele, nós deveríamos falar livremente sobre o lado negro de Jobs e da empresa que ele ajudou a fundar. Este é o seu catálogo de piores momentos:
Censura e autoritarismo
A internet permitiu a pessoas do mundo todo se expressarem de maneira mais fácil e livre. Com a App Store, a Apple reverteu este processo. O iPhone e o iPad constituem a mais popular plataforma de computação portátil dos EUA, os mais importantes palcos de mídia e software. Mas você precisa da aprovação da Apple para colocar qualquer coisa nos aparelhos. E este é um poder que a empresa usa agressivamente.
Em nome de proteger as crianças dos malefícios do erotismo, e os adultos deles mesmos, Jobs baniu aplicativos de arte gay, guias de viagens gays,cartoons políticos, imagens sensuais, panfletos de candidatos políticos, caricaturas políticas,páginas duplas de revistas de moda e sistemas inventados pela concorrência, além de outras coisas consideradas moralmente questionáveis.
Os aparelhos da Apple nos conectaram a um mundo de informação, mas eles não permitem uma expressão completa de ideias. De fato, as pessoas que deveriam ser servidas pela Apple — “os desajeitados, os rebeldes, os encrenqueiros”, como disse o famoso comercial — foram particularmente excluídos pelas políticas de Jobs. O fato da empresa mais admirada dos Estados Unidos ter seguido um caminho tão contrário aos ideais de liberdade do país é profundamente preocupante.
Mas Jobs também nunca pareceu muito confortável com a ideia de empregados com todos os seus direitos e uma imprensa completamente livre. Dentro da Apple, há uma cultura de medo e controle ao redor das comunicações; a “Equipe Mundial de Lealdade” da Apple é especializada em caçar quem vaza informações, confiscando celulares e fazendo buscas em computadores alheios.
A Apple usa táticas coercivas também com a imprensa. A sua primeira reação a artigos que ela não gosta é geralmente de manipulação e importúnio. Depois, quem sabe ela solte estrategicamente um artigo contraditório.
Mas a Apple não se contenta com isso. Ela tem uma equipe jurídica que não se importa em aniquilar alvos pequenos. Em 2005, por exemplo, a empresaprocessou o blogueiro Nick Ciarelli, de 19 anos, por dar antes da hora a notícia — correta — da existência do Mac Mini. O caso não foi encerrado até que Ciarelli concordou em fechar o seu blog ThinkSecret para sempre. E nem vou explicar de novo toda a história com o Gizmodo americano e o protótipo do iPhone 4, que chegou ao ponto da Apple conseguir fazer com que a polícia invadisse a casa de um editor.
Há cerca de um mês tivemos talvez a mais assustadora amostra das tendências fascistas da Apple, quando dois agentes privados de segurança, trabalhando para a Maçã, revistaram a casa de um homem em San Francisco, à procura de um outro protótipo perdido de iPhone. Eles ameaçaram causar problemas com a imigração, e o homem disse que os agentes de segurança estavam acompanhados por policiais à paisana e não se identificaram como civis, dando a impressão de serem oficiais de polícia.
Fábricas exploradoras, trabalho infantil e direitos humanos
As fábricas da Apple na China regularmente empregam jovens adolescentes e pessoas abaixo da idade mínima de trabalho legal, que é de 16 anos. Elas submetem os empregados a muitas horas de trabalho e tentam acobertar tudo. Isso segundo um relatório da própria Apple, em 2010. Em 2011, a Apple relatou que o problema de trabalho infantil piorou.
Em 2010, o jornal Daily Mail conseguiu infiltrar um repórter dentro de uma fábrica chinesa que monta produtos para a Apple. Veja um trecho traduzido da reportagem:
Com o complexo funcionando em capacidade máxima de produção, 24 horas por dia, sete dias por semana, para atingir a demanda global pelos telefones e computadores da Apple, um dia típico começa com o hino chinês sendo tocado pelos alto-falantes, com as palavras ‘Levantem-se, levantem-se, levantem-se, milhões de corações com uma só mente’.
Como parte deste controle Orwelliano, o sistema de comunicados públicos grita anúncios o tempo inteiro, sobre quantos produtos foram feitos, sobre uma nova quadra de basquete construída para os empregados, sobre como os empregados devem ‘valorizar a eficiência a cada minuto, a cada segundo’.
Com outros slogans corporativos pintados nas paredes das oficinas — incluindo apelos como ‘alcance metas até que o sol não mais se levante’ e ‘reunamos toda a elite e a Foxconn será cada vez mais forte’ –, os empregados trabalham até 15 horas diárias.
Ao final de corredores estreitos, que lembram uma prisão, eles dormem em quartos lotados, em beliches triplas para economizar espaço. Os colchões são simples tapetes de bambu.
Apesar das temperaturas no verão chegarem a 35 graus, com 90% de humidade, não há ar condicionado. Alguns trabalhadores dizem que há dormitórios que abrigam mais de 40 pessoas e são infestados com formigas e baratas, e que é difícil dormir por causa do barulho e do fedor.
Uma empresa pode ser julgada pela forma como trata os seus mais humildes empregados. Serve como exemplo para o resto da empresa, ou, no caso da Apple, para o resto do mundo.
Em pessoa e em casa
Antes mesmo de ser afastado da empresa pela primeira vez, Jobs já tinha fama de agir como um tirano. Ele frequentemente diminuía pessoas, esbravejava contra elas e pressionava até que chegassem ao seu ponto de ebulição. Na busca pela excelência, ele deixava de lado a educação e a empatia. Seus abusos verbais nunca pararam. Ainda no mês passado a Fortune reportou uma “humilhação pública” de meia hora a que Jobs submeteu uma equipe da Apple:
“Alguém poderia me dizer o que o MobileMe deveria ser capaz de fazer?” Depois de receber uma resposta satisfatória, ele continuou: “Então por que caralhos ele não faz isso?”
“Vocês mancharam a reputação da Apple”, ele falou. “Vocês deveriam odiar uns aos outros por terem se decepcionado”.
Jobs demitiu o chefe da equipe ali mesmo.
Em seu livro The Second Coming of Steve Jobs, sobre a época de Jobs na NeXT e o seu subsequente retorno à Apple, Alan Deutschman descreveu o tratamento duro que Jobs dava aos seus subordinados:
Ele os elogiava e inspirava, às vezes de maneira muito criativa, mas também apelava para intimidação, provocação, repreensão e depreciação… Quando ele encarnava o Steve do Mal, não parecia se importar com os danos severos que causava a egos e emoções… súbita e inesperadamente, olhava para alguma coisa no qual eles estavam trabalhando e dizia que estava uma “merda”.
Jobs também tinha suas limitações pessoais. Não há registros públicos dele jamais ter feito doações para instituições de caridade, apesar do fato de ter ficado rico com o IPO da Apple em 1980 e ter acumulado um patrimônio líquido estimado em mais de 7 bilhões de dólares ao final da sua vida. Depois de encerrar os programas de filantropia da Apple em 1997, quando voltou à empresa, ele nunca mais os reinstaurou, apesar da empresa ter voltado a nadar em lucros.
É possível que Jobs tenha feito doações anônimas, ou que ele fará uma doação póstuma, mas o fato é que ele jamais abraçou ou encorajou a filantropia de forma parecida com, por exemplo, Bill Gates, que já arrecadou US$ 60 bilhões para caridade e se juntou a Warren Buffet para incentivaroutros bilionários a doarem ainda mais.
“Ele claramente não tinha tempo”, foi o que disse o diretor da breve fundação de caridade de Jobs ao New York Times. E parece ser isso mesmo. Jobs não levava uma vida equilibrada. Ele era profissionalmente incansável. Trabalhava por longos períodos e permaneceu CEO da empresa até seis semanas antes da sua morte. Isso resultou em produtos incríveis, apreciados pelo mundo todo. Mas não significa que a sua rotina workaholic seja algo a se imitar.
Houve um tempo em que Jobs lutou contra a ideia de se tornar um homem de família. Ele teve uma filha chamada Lisa fora do casamento, aos 23 anos, e, segundo a Fortune, passou dois anos negando paternidade, chegando a declarar oficialmente que “não poderia ser o pai de Lisa, por ser ‘estéril e infértil’, não tendo, desta forma, capacidade física de procriar”. Jobs finalmente assumiu a paternidade, conheceu e casou com a sua atual viúva, Laurene Powell, e teve mais três filhos. Lisa estudou em Harvard e é hoje uma escritora.
Steve Jobs criou muitos objetos lindos. Ele tornou aparelhos digitais mais elegantes e fáceis de usar. Ele fez a Apple Inc. ganhar muito dinheiro depois que as pessoas já a consideravam morta. Ele sem dúvida servirá como modelo para muitas gerações de empreendedores e líderes de negócios. Se isso é uma coisa boa ou ruim, depende de quão honestamente a sua vida é avaliada.
Chomsky
Chomsky, de cientista provocador a guru
Carlos Alberto FaracoNoam Chomsky é, certamente, um dos intelectuais mais brilhantes que o século XX. Suas ideias deram nova configuração a problemas clássicos da linguística e da psicologia. Fez importantes interferências nos debates de filosofias da mente, da linguagem e da ciência. Contribuiu significativamente para o estabelecimento dessa grande área científica a que hoje se dá o nome de Ciências Cognitivas. Envolveu-se em densos debates públicos com outros importantes intelectuais, como Piaget, Foucault, Quine e Putnam entre outros.
Quando suas ideias começaram a circular-, houve quem as interpretasse como uma verdadeira revolução científica, nos termos de Thomas Kuhn. Talvez uma avaliação que pecou pelo excesso, considerando que não havia (como continua não havendo) um paradigma dominante nos estudos da linguagem verbal. O que Chomsky fez foi repor no centro do cenário da investigação científica da linguagem, da cognição e do cérebro uma perspectiva racionalista e inatista. Com isso, reformulou os problemas, estimulou novas direções investigativas e se pôs como contraponto a outros arcabouços teóricos. Nada disso, obviamente, é pouca coisa.
Além de cientista brilhante e provocador, Chomsky tem sido um intelectual engajadíssimo nas questões políticas contemporâneas. Tornou-se um crítico feroz do estamento militar-industrial-governamental dos EUA e da política externa de seu país. É hoje a personalidade mais destacada da chamada esquerda estadunidense e referência algo difusa dos muitos movimentos altermundialistas. Tornou-se guru de boa parte da esquerda mundial, apesar de seu credo político não ir muito além de uma retomada dos ideais políticos do Iluminismo, com alguns temperos socialistas libertários. Suas concepções políticas se centram no indivíduo – em seus direitos fundamentais e em sua liberdade. O que Chomsky faz é um reavivamento dos ideais políticos dos fundadores dos Estados Unidos. Nesse sentido, ele é, antes de tudo, um leitor radical da Declaração de Independência e da Constituição de seu país.
Como linguista, estreou na cena pública em 1957 ao publicar um pequeno livro (Estruturas Sintáticas), com o qual desconcertou a linguística que se fazia nos Estados Unidos desde Bloomfield. Era uma tradição fortemente empiricista, cujo modelo analítico jamais ultrapassava a organização superficial dos enunciados.
Saber linguístico do falante
Chomsky demonstrou que um tal modelo não era capaz de descrever e explicar o saber que o falante tem de sua língua – um saber que lhe dá competência para produzir e entender um conjunto infinito de enunciados. Ou seja, de fazer uso infinito de meios (gramaticais) finitos, o que caracteriza a criatividade linguística: os falantes não apenas reproduzem e compreendem enunciados “velhos”, mas produzem e entendem enunciados novos.
À criatividade acrescenta-se a capacidade que o falante tem de emitir juízos de gramaticalidade, ou seja, dizer se um enunciado pertence ou não à língua que fala. Mais ainda: o falante percebe idênticas relações sintáticas em enunciados cuja organização superficial é diferente (como entre construções ativas e passivas) e percebe diferenças nas relações sintáticas entre os termos de enunciados cuja organização superficial é aparentemente idêntica (como João é fácil de enganar e João é capaz de enganar). Por fim, diante de construções ambíguas (como João viu a menina saindo da escola), o falante é capaz de reconstruir os dois quadros de relações subjacentes ao enunciado superficial.
Um modelo gramatical empiricista não conseguirá jamais representar formalmente essas características do saber linguístico do falante. Não dispõe de recursos para dar conta da criatividade e conflita com o falante: vê diferenças onde o falante percebe igualdades; e vê igualdades onde o falante vê diferenças. Por isso tudo, Chomsky descartou o modelo do chamado estruturalismo norte-americano e propôs outra linguística, atribuindo-lhe como objeto o saber linguístico do falante e como tarefa a construção de um modelo formal capaz de representar esse saber.
Nos últimos 54 anos, Chomsky e seus seguidores desenharam e redesenharam a sua sintaxe num dos mais belos exercícios de arquitetura de modelos formais que a ciência contemporânea nos oferece. Trata-se de uma engenhosa sequência de experimentos formais em duelo com dados da empiria – dados que vinham, numa primeira fase, basicamente da língua inglesa (o que foi motivo de muitas críticas) e que, posteriormente, passaram a vir também de outras várias línguas, embora nunca na perspectiva de uma linguística de corpus. Não há, na linguística chomskyana, como pressuposto epistemológico, a exigência de coletar sistematicamente uma grande quantidade de dados. Suas bases racionalistas descartam procedimentos indutivos (afinal, a língua é infinita) e, por outro lado, se confia no saber intuitivo do falante e em seus juízos de gramaticalidade.
Num balanço deste meio século, pode-se dizer que houve um aprofundamento da compreensão de fenômenos sintáticos e, em especial, de sua complexidade. Demonstrou-se a insuficiência de uma concepção empiricista para dar conta da sintaxe das línguas humanas. Descartaram-se inúmeras alternativas formais que a teoria experimentou e que se mostraram igualmente insuficientes. Apesar disso tudo, não se alcançou (ainda) um modelo suficientemente satisfatório. Continua, portanto, sem resposta a pergunta quanto às propriedades que deve ter um modelo formal capaz de representar a sintaxe das línguas humanas.
Saber inato
Depois de ter desmontado, em 1957, as bases do estruturalismo norte-americano, Chomsky provocou novo frenesi ao escrever, em 1959, uma resenha do livroComportamento Verbal, do psicólogo comportamentalista B.F. Skinner. Nela, Chomsky vai argumentar que uma teoria cognitiva de tipo comportamentalista é incapaz de dar conta do processo pelo qual uma criança passa de não falante a falante da língua de sua comunidade.
Chomsky chama a atenção para o fato de que se trata de um processo surpreendente, caso se considere a pobreza dos dados a que a criança é exposta: a quantidade é pequena (considerando que as possibilidades são infinitas, ou seja, a criança nunca será exposta à língua toda) e de qualidade relativamente baixa (fragmentários, com muitos arranques em falso, lapsos e interrupções).
Apesar da pobreza de estímulos, a criança torna-se um falante autônomo, sendo capaz de produzir e entender enunciados que ela não ouviu antes, isto é, ela passa a fazer uso infinito dos meios gramaticais finitos. E esse processo se dá de forma bastante homogênea em todas as partes do mundo, mais ou menos na mesma faixa etária (por volta dos 2 anos) e sem que haja qualquer ensino sistemático.
A conclusão é de que a criança não aprende a língua apenas por imitação nem por mecanismos de estímulo-resposta. Chomsky descarta, assim, o comportamentalismo e postula que só é possível explicar tal processo cognitivo admitindo-se a existência de um saber inato – específico da espécie humana –, que define o que é uma língua humana possível e que permite à criança, diante dos poucos e precários dados que recebe do seu ambiente, descobrir a gramática da língua que aí se fala. A esse saber inato Chomsky deu o nome de “dispositivo de aquisição da linguagem” ou, ainda, de Gramática Universal (GU).
Esta última expressão não deve ser entendida como designando propriedades que estariam presentes em todas as línguas. Diz respeito, na verdade, ao conjunto de princípios que definem uma língua humana possível. Sob outro olhar, significa dizer que as línguas humanas não variam indefinidamente. Elas são diferentes entre si, mas se configuram sob restrições gerais estritas dadas pelas características do cérebro humano.
Módulo da linguagem
É nesse sentido que Chomsky diz ser a faculdade da linguagem verbal um órgão do cérebro, um módulo específico e autônomo, claramente distinto de outros módulos que têm a seu cargo a articulação e percepção dos sons da fala e a formulação dos pensamentos em termos conceituais. O módulo da linguagem produz sequências abstratas que devem ser “legíveis” aos outros módulos, que lhe darão, na interface, uma roupagem articulatória e conceitual.
Por isso, a meta efetiva do linguista é alcançar a explicitação desses princípios da GU e do modo como eles operam no desenho de cada uma das línguas e, portanto, na descoberta que a criança faz da gramática da língua de seu ambiente.
Chomsky considera que o módulo da linguagem, em sendo um objeto natural (um órgão biológico), é a única dimensão da linguagem passível de uma abordagem científica. Todo o resto – ou seja, os usos que fazemos da linguagem (que ele reúne sob o termo pragmáticaem seu livro Novos Horizontes no Estudo da Linguagem e da Mente, de 2000, com tradução brasileira de 2006) – escapa completamente, por sua imprevisibilidade e complexidade, ao escopo de nossas capacidades científicas.
Como ele mesmo diz, numa entrevista publicada na revista Science & Technology News(1º/3/2006): “A ciência aborda coisas muito simples e faz perguntas muito complexas sobre elas. Tão logo as coisas se tornam muito complexas, a ciência não pode lidar com elas… Mas é um assunto complicado: a ciência estuda o que está no limite do entendimento e o que está no limite do entendimento é, geralmente, bastante simples. E ela raramente alcança as questões humanas. As questões humanas são muitíssimo complicadas”.
Como se vê, nada em Chomsky é pouco polêmico; tudo é muito provocativo. Não sabemos se suas hipóteses se sustentarão no futuro. Temos, porém, de admitir que ele formulou problemas que continuarão nos desafiando por muito tempo ainda.
Edificios Abandonados
Novo link na seção "Enquanto Isso..." (à sua direita), o site Edifícios Abandonados é um projeto interessantíssimo que tenta catalogar alguns dos belos edifícios do centro de São Paulo infelizmente abandonados por seus proprietários, e tentar achar as causas e motivos desse abandono, contando sua história e a de moradores da região. Até agora conta com cinco belos exemplos, bem documentados e que nos levam a pensar sobre a importância que damos atualmente ao nosso patrimônio arquitetônico e ao centro de nossas cidades, coração vital da mesma. Desde aqui torcemos para que o projeto se desenvolva. Uma idéia invejável.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
The Allman Brothers Band – Hittin’ The Note (2003)
Mais uma vez os incríveis Allman Brothers provam porque foram uma das bandas mais influentes de sua época e continuam presenteando-nos com ótimas peças que combinam riffs de slide guitar, toques de jazz e blues-rock cheio de soul, características da banda desde 1969. É também a volta de Warren Haynes – ele e Allen Woody haviam deixado a banda em 1997 para dedicarem-se a tempo total ao projeto Gov't Mule, mas mudou de ideia quando Woody foi achado morto sentado numa cadeira na manha do sábado 26 de agosto de 2000 no motel Marriott do Queens, Nova Iorque – e o primeiro disco sem um de seus membros fundadores, Dickey Betts, expulso depois de trinta anos por motivos “pessoais e profissionais”. A falta de Betts é clara no disco, principalmente na harmonia das peças instrumentais, mas Haynes é também um ótimo guitarrista – e o demonstra nesse disco – e a inclusão do virtuoso Derek Trucks nos traz de volta os duelos de guitarra de antes. E embora dificilmente um duo seria equiparável ao original Duane-Betts, os dois levam muito bem seu estilo. O vocal de Gregg está fantástico como sempre, assim como a parte rítmica. Quase todas as músicas tem mais de cinco minutos, cheias de solos e riffs de blues, além de duas covers, “Woman Across The River” de Freddie Kind e “Heart of Stone” dos Rolling Stones.
01. Firing Line
02. High Cost of Low Living
03. Desdemona
04. Woman Across The River
05. Old Before My Time
06. Who To Believe
07. Maydell
08. Rockin’ Horse
09. Heart of Stone
10. Instrumental Illness
11. Old Friend
The Allman Brothers Band – Seven Turns (1990)
Pouquíssima gente apostaria que nos anos noventa a lendária banda de blues-rock sulista poderia criar um disco tão potente como esse. Com a incorporação do guitarrista Warren Haynes – o melhor substituto de Duane até o momento – do baixista Allen Woody e do tecladista Johnny Neel, a veterana banda sofreu um espetacular rejuvenescimento, voltando ao blues-rock mais duro e ainda contando com as ótimas baladas de Betts. Aqui encontramos novamente o duelo de guitarras do princípio da banda unido ao poder de um segundo teclado como já havíamos visto em “Brothers and Sisters”, e o vocal de Gregg está entre os melhores de sua carreira. É a ressurreição dos Allman Brothers, sem dúvida seu melhor disco desde “Brothers and Sisters”. Comprove você mesmo.
01. Good Clean Fun
02. Let Me Ride
03. Low Down Dirty Mean
04. Shine It On
05. Loaded Dice
06. Seven Turns
07. Gambler’s Roll
08. True Gravity
09. It Ain’t Over Yet
The Allman Brothers Band – Brothers and Sisters (1973)
Ainda que esse disco não se pareça muito com o que a banda havia gravado antes, seu primeiro disco de estúdio sem a participação de Duane poderia ser considerado uma obra-prima se lançado por qualquer outra banda. Aqui eles se distanciam do blues-rock mais áspero em direção a um rock sulista com muito mais groove e bastante mais country, mudança provocada pela maior influência de Dickey Betts e do novo pianista Chuck Leavell. Betts compõe grandes faixas como o grande sucesso “Ramblin’ Man”, “Southbound”, ou a clássica faixa instrumental “Jessica”, além a acústica “Ponny Boy” que fecha um disco impecável. Durante a gravação foi a vez do baixista Berry Oakley porrar sua moto e passar dessa pra uma melhor, coisa que já estava virando uma tradição na banda, e por isso só chegou a gravar duas faixas do disco. Se você está interessado pelo rock sulista do começo dos anos setenta nos EUA esse é sem dúvida o disco que que estava buscando. Baixe e escute.
01. Wasted Words
02. Ramblin’ Man
03. Come And Go Blues
04. Jelly Jelly
05. Southbound
06. Jessica
07. Pony Boy
The Allman Brothers Band – Beginnings (1971)
Esse disco é na realidade, como o próprio nome já diz, uma recopilação formada pelos dois primeiros discos da banda, “The Allman Brothers Band” de 1969 e “Idlewild South” de 1970. Com as cinco primeiras notas da primeira faixa, “Don’t Want You No More” de Spencer Davis, já dá pra saber a intenção dos caras. Impressiona o duelo de guitarras entre Duane Allman e Dickey Betts, o vocal profundo de Gregg Allman combinado com seu impecável órgão, a percussão de Jaimoe e Butch Trucks, a formidável composição das letras, além dos excelentes covers de Muddy Waters e Willie Dixon, sem dúvida. É uma mescla de um blues áspero, o soul sulista e o rock psicodélico criando o que por muitos foi chamada a melhor banda de rock & rol americana.
01. Don’t Want You No More
02. It’s Not My Cross To Bear
03. Black Hearted Woman
04. Trouble No More
05. Every Hungry Woman
06. Dreams
07. Whipping Post
08. Revival
09. Don’t Keep Me Wonderin’
10. Midnight Rider
11. In Memory of Elizabeth Reed
12. (I’m Your) Hoochie Coochie Man
13. Please Call Home
14. Leave My Blues At Home
The Allman Brothers Band – Eat a Peach (1972)
Após estabelecerem-se como uma grande banda, chegando a ser chamados “Os Greatful Dead do Sul” depois do enorme sucesso que foi o anterior disco “At Fillmore East”, os Allman Brothers haviam rapidamente começado a trabalhar nesse que seria o seu quarto disco quando seu inigualável guitarrista e mentor da banda Duane Allman sofre um acidente com sua moto e morre no ato. Felizmente o resto do grupo seguiu firme para terminar esse novo trabalho, um LP duplo que contava com a larguíssima “Mountain Jam”, com quase 34 minutos, e que foi lançado menos de quatro meses após a morte de seu idealizador. É assim o último disco gravado pela original The Allman Brothers Band e sem dúvida um dos melhores. Enquanto Gregg Allman brilha em faixas como “One Way Out” de Sonny Boy Williamson ou em “Melissa”, de sua própria autoria, foi o segundo guitarrista Dickey Betts – com tendências mais country – quem começa a ocupar um papel central na banda com suas incendiárias linhas de guitarra e assumindo o vocal em “Blue Sky”, mostrando que ainda havia muito na banda aparte do seu excelente ex-guitarrista. Como curiosidade, tanto o nome do disco como a capa fazem alusão ao conteúdo do caminhão que terminou com a vida de Duane. Baixe e ouça.
01. Ain’t Wastin’ Time No More
02. Les Brers in A Minor
03. Melissa
04. Mountain Jam
05. One Way Out
06. Trouble No More
07. Stand Back
08. Blue Sky
09. Little Martha
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
The Allman Brothers Band – At Fillmore East (1971)
É de consenso geral que os Allman Brothers eram músicos excepcionais , porém nunca antes desse magnífico disco de 1971 se havia gravado um show de rock improvisado ante – as já famosas jam sessions –, e poucos discos de rock ao vivo chegam a esse nível até os dias de hoje. Com apenas dois discos – bons, mas não excelentes – gravados em estúdio (porém com muitos quilómetros de turnês), o sexteto da Georgia estreou no Fillmore East comprovando sua solvência ao vivo. O titânico guitarrista Duane Allman estava no auge de sua carreira, empurrando seu guitarrista base, Dickey Betts, a picos impensáveis. O vocalista e tecladista Gregg Allman teria sido uma estrela em qualquer grupo, mas aqui ele é apenas mais um componente dessa maravilhosa banda. Duane Allman morreu pouco depois dessa gravação, a os Allman Brothers nunca voltariam a ser os mesmos. As sete músicas desse duplo LP estão entre os melhores exemplos de como deve ser uma banda ao vivo. A guitarra de Duane em “In Memory of Elizabeth Reed”, o órgão de Gregg em “Hot ‘Lanta”… a banda inteira demonstra nessas jams como a música pode ser explorada aos limites, do slide guitar de Duane na abertura de “Statesboro Blues” à respiração cansada proferindo “I’m dying” ao final de “Whipping Post”. Baixe, ouça e disfrute dessa excelente bolacha o quanto antes, aqui mesmo.
01. Statesboro Blues
02. Done Somebody Wrong
03. Stormy Monday
04. You Don’t Love Me
05. Hot ‘Lanta
06. In Memory Of Elizabeth Reed
07. Whipping Post
Grandes Nomes do Blues 33 – The Allman Brothers Band
Poucas bandas além dos Allman Brothers conseguiram deixar sua marca no cenário do blues americano dos anos 70. Identificaram-se pela mistura de blues, jazz, rock e country, criando um ritmo próprio que foi predominante na recém criada FM, contagiando assim a um grande público. A Allman Brothers Band chegou ao século XXI deixando atrás tragédias, largos períodos de inatividade e grandes baixas.
O guitarrista Duane Allman (1946-1971) e seu irmão, teclado e vocal Gregg Allman (1947) cresceram em Daytona Beach, Florida, e formaram seu primeiro grupo – Escorts – copiando a música e os trejeitos dos Rolling Stones e dos Beatles. A partir daí, e já com o nome de Allman Joys, evoluíram a um blues e a um soul mais duros e, posteriormente, como Hour Glass, publicariam dois discos para o selo Liberty. Ao final dos anos sessenta, Duane mudou-se a Muscle Shoals, Alabama – berço do futuro soul – para trabalhar como guitarrista de estúdio, conhecido por acompanhar a King Curtis, Wilson Pickett ou Aretha Franklin, enquanto aperfeiçoava seu R&B, soul e blues. Em 1969 o diretor Phil Walden pediu-lhe que formasse um grupo o quanto antes, e assim contratou o baixista Berry Oakley, o guitarrista Dickey Betts e dois bateristas, Butch Trucks e Jai Johanny Johanson (Jaimoe). O projeto foi aceito após uma série de maratonianas provas, com a inclusão do órgão e da voz de Gregg Allman. Inicialmente a Allman Brothers Band percorreu exclusivamente Georgia e Florida, com o objetivo de assentar sua linha de blues-rock, mas seu primeiro disco para o selo Walden – Capricorn – veio nesse mesmo ano, e ainda que não se tenha vendido o esperado, foi muito bem reconhecido pela crítica. O grupo muda-se então a Macon, Georgia, introduzindo ao seu estilo tanto o violão acústico como alguns toques de jazz, enquanto Duane continua trabalhando em estúdio junto a Boz Scaggs, Otis Rush e Johnny Jenkins, além de Eric Clapton, Bonnie & Delany, e posteriormente com Derek & the Dominos para gravar o clássico “Layla and Other Assorted Love Songs”.
A partir de seu segundo disco, das jam sessions que animavam seus shows e do sucesso de “Midnight Rider”, a popularidade da banda não parou de crescer. Enquanto seus membros fossem capazes de acertar de vez em quando os compassos com o tempo, a música era suficientemente aceitável para aproveitar-se da situação.
Em 1971 o selo Polydor aproveitou a boa forma do grupo para gravar uma série de shows que deram na sala Fillmore East, e assim, o que seria seu terceiro disco transformou seu líder no novo herói americano da guitarra. Lamentavelmente, logo após receber o disco de ouro com “At Fillmore East”, Duane Allman morreria num acidente de moto. Quase um ano depois, com o lançamento do próximo disco “Eat a Peach”, Berry Oakley também perderia sua vida num acidente de moto. Ao invés de acabar com a banda, tanto Gregg como Dickey Betts centraram-se ainda mais nela. Os primeiros dois discos depois da tragédia foram editados em formato LP duplo, e o seguinte se distanciou do blues, aproximando-se de uma linha mais country: “Ramblin’ Man” foi um grande sucesso.
Por volta de 1974 a coisa foi de mal a pior. Gregg Allman não se esforçava muito em manter a banda viva, especialmente depois de seu casamento com a cantora Cher e por seus contínuos abusos com as drogas. Dois anos mais tarde chegaria a dissolução da banda, e enquanto Betts seguiria em carreira solo, o resto da banda formaria a Sea Level.
Em 1978 Allman voltou, novo, querendo reunir a banda e reconquistar seu espaço num cenário a priori bastante desfavorável, com o New Wave e o Punk dominando as rádios. Durante os anos oitenta o grupo voltou a lutar, a gravar e a vender tantos discos como em sua época dourada. Em 1989 a Allman Brothers Band novamente se reinventava, introduzindo dois novos membros – Warren Haynes (guitarra) e Allen Woody (baixo) – que elevaram a qualidade musical da banda como não se via a anos. O seguinte disco, “Seven Turns”, mostrou que a fusão de rock, blues e country ainda funcionava trinta anos depois. O grupo voltou ao topo das listas, enchendo estádios e ganhando até hoje onze discos de ouro e cinco de platina, sendo classificada pela revista Rolling Stone no #52 em sua lista dos 100 maiores artistas de todos os tempos, e é considerada, junto a Lynyrd Skynyrd, banda seminal do rock sulista norte-americano.
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